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Remo- História

O VASCO E O REMO: O nascimento do Clube nas águas do mar da Cidade do Rio de Janeiro


(Imagem de uma guarnição vascaína no ano de 1915)

Em nossa contemporaneidade, nos deparamos diariamente com pessoas que vão em direção à praia com os mais variados interesses, sejam eles relacionados ao lazer, ao comércio, à prática esportiva ou mesmo para a busca aprazível da contemplação da natureza à beira-mar. Encaramos como natural a maior exposição dos nossos corpos, lançando mão de vestimentas leves e adequadas para a ensolarada capital fluminense. O extenso e belo litoral do Rio de Janeiro e a forte relação de grande parte dos habitantes da cidade com este trazem a sensação de que tanto a cidade quantos os cariocas nasceram de fato ligados ao mar. Todavia, a despeito desse quadro contemporâneo, o estabelecimento de uma relação de proximidade e valorização dos citadinos com o mar inicia-se a partir da segunda metade do século XIX, evoluindo progressivamente, e no final do século XIX e início do século XX, na esteira dos avanços da modernidade, vai adquirindo os contornos mais próximos do que observamos atualmente.

O Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XIX não se caracterizava como uma cidade limpa, devido às péssimas condições de saneabilidade e salubridade, que impactavam diretamente na saúde de seus habitantes, constantemente assolados por epidemias e dependentes de uma medicina embrionária, de acesso para poucos. Essas condições refletiam no litoral carioca, haja vista que os mares serviam como depositório de lixo e excrementos produzidos pelos locais, quando não tinham como destinos as próprias ruas, evidenciando um dos hábitos pouco higiênicos da população do período. A existência dos “tigres” ou “tigreiros”, escravos que recolhiam os dejetos da população e os despejava nas águas, faziam parte do cotidiano da cidade. Esse panorama começou a modificar-se, gradativamente, a partir do aumento das preocupações com a higiene e o saneamento.

A chegada da família Real portuguesa ao Rio trouxe consigo algumas iniciativas de adequação à presença da Corte, com a remodelação do espaço urbano e estímulos ao desenvolvimento cultural, observando-se um aumento expressivo da influência europeia. Ainda que tais cuidados possam ter impactado na urbanização da cidade, foi no decorrer do segundo quartel do século XIX que as atenções com a saneamento da cidade tomaram maiores proporções. Isso, no contexto da pós-emancipação política do Brasil, diante às preocupações em modernizá-lo e torna-lo mais identificável com os países europeus (MELO, 2009).

A formação de novos médicos, sanitaristas e engenheiros foi incentivada. Esses passaram a ter maior importância na sociedade, alcançando cargos de administradores públicos, e ditando padrões comportamentais e estéticos, como a necessidade de cuidarem melhor da saúde, o que incluía a higiene corporal. Nesse sentido, diante a intenção de tornar a cidade “mais habitável”, a água passa a ter um papel de protagonista, o que influenciou na adoção de medidas para a sua encanação e melhor distribuição (MELO, 1999).

Por volta da metade do século XIX, os banhos de mar ganham cada vez mais espaço na cidade, sendo indicados por médicos e sanitaristas que destacavam as suas “propriedades terapêuticas”. Influenciadas por esse discurso de associação da água (mar e rio) a terapias medicinais para alívio dos sintomas de diversas doenças, as famílias vão adquirindo o hábito mais constante de ir às praias para banhar-se, além de fazer uso da água do mar como “remédio” para múltiplas enfermidades.

HIDROPATHIA DA AGUA E DOS BANHOS DO MAR

[…]

É guiado por este raciocinio que aconselhamos aos nossos doentes o uso dos banhos de água salgada artificialmente aquecida quando a temperatura do mar é baixa. Para as crianças de muito pouca idade nunca os aconselhamos frios, mas mornos e tomados em banheiras. É por isso também que prescrevemos aos nossos doentes que tomem banhos salgados, que no mar, quer em banheiras, e que bebão o mais que puderem dessa água filtrada e misturada […]

Tomada destes dous modos a água do mar, é um dos melhores remédios contra as scrophulas, o rachitismo e as diversas inflammações chronicas dasvísceras (Journal du Haxre apud Correio Mercantil, 03 de outubro de 1956, p. 1)

O fluxo das pessoas para o mar tornou-se mais constante, as elites procuravam praias mais destacadas do centro, destinavam-se a locais como a Praia de Botafogo e do Russel (atual Praia do Flamengo). Além de outras mais distantes, como Copacabana, para onde os passeios marítimos e as excursões cresciam. Surgiam mais casas banhos, empreendimentos que procuravam fornecer maiores confortos, incluindo guarda-vidas e banho com água do mar aquecida. A cidade que outrora havia se expandido em direção à Zona Norte “nadava” em direção à Zona Sul (MELO, 2001).

Isso não significa dizer que as praias mais centrais não eram utilizadas, pelo contrário, as praias da Lapa, Passeio e Santa Luzia eram locais muito frequentados, por indivíduos das mais variadas condições sociais. Esta última recebeu balneários e era local concorrido para os banhos de mar. Além disso, alguns dos futuros clubes de remo viriam se instalar nesta área, dentre eles, o Club de Regatas Vasco da Gama. A Igreja Santa Luzia localizava-se próxima ao mar, acabou se distanciando deste após o desmonte do Morro do Castelo e aterramento da área. O referido morro foi um dos berços históricos da cidade e sofreu constantes desmanches nas diversas intervenções urbanísticas na cidade ao longo do tempo, até desaparecer por completo.

image Igreja de Santa Luzia
(Foto: George Leuzinger, c. 1865 – Acervo: Imagem de Internet)

No terceiro quartel do século, verificaram-se significativas mudanças na forma dos habitantes experimentarem o litoral, as praias passam a servir de espaço para a realização de atividades relacionadas ao lazer, como piqueniques, e o mar para os passeios de barco e canoas, com intuito inicial de contemplação da paisagem. Posteriormente, surgiram as corridas de canoas, prática primitiva não estruturada do remo. A relação dos cariocas de distanciamento com o mar foi sendo substituída pela sua valorização e experimentação de múltiplas maneiras. As corridas de canoas se estabeleceram como um evento social que mobilizava grande público, entretanto, demorou algum tempo para que se tornassem mais organizadas. Além disso, só muito mais tarde é que viriam aparecer associações náuticas que se dispusessem a praticar e desenvolver o remo. Para tal acontecimento, eram necessários algumas mudança nos costumes da cidade.

A aproximação da população com o mar através de objetivos terapêuticos proporcionou a ocupação das praias, um fator importante para o desenvolvimento do remo. No entanto, para que fossem ultrapassadas as resistências para o uso do mar, para além destes fins, seria preciso uma mudança efetiva referente aos sentidos de sua ocupação, que estava diretamente relacionado a uma nova cultura estética corporal. Na esteira dessa tendência, observou-se o surgimento de um mercado de consumo em torno da prática do banho de mar. As empresas de bondes passaram a oferecer seus serviços utilizando o mar como marketing, crescia o número de casas de banho na cidade e passou-se a ser comum a venda de produtos como remédios e tônicos ou outros relacionados aos banhos (MELO, 2001).

Com o aumento dos banhos de mar, as preocupações acerca do pudor ao redor desta prática eram recorrentes, a sua regulamentação era rigorosa e impactava diretamente nas vestimentas vistas como adequadas a sua realização. Qualquer roupa enxergada como mais “ousada”, mesmo que lograsse aceitação popular, ou alguma postura comportamental compreendidas como inadequadas para os ditames dos “bons costumes” eram censuradas com rigidez. Os banhos de mar, mesmo que só viessem a ser realmente populares e corriqueiros para grande parte da população no início do século XX, pavimentaram as condições para o desenvolvimento de esportes náuticos, como o remo. A partir dos anos de 1880, através da confluência de alguns fatores condensou-se as condições para o desenvolvimento e a institucionalização do remo na cidade, mediante a aceitabilidade de uma nova forma de exposição corporal e modelo aceitável de corpo, a maior busca pelos cuidados relacionados com a saúde e a ocupação com outros sentidos além do terapêutico (MELO, 2001).

O Brasil vivenciava no final do século XIX um conjunto de mudanças que reorganizaram a sua estrutura política e econômica. O fim da escravidão, em 13 de maio de 1888, e a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, trouxeram ares de mudanças para o país. Com o advento da república buscou-se melhor inserir o Brasil no cenário internacional, consequentemente, observou-se a necessidade de modernizar a capital Rio de Janeiro e adequá-la aos padrões estéticos das grandes metrópoles europeias, marcadamente inspiradas em Londres e Paris. Estratégia esta que só viria ser melhor concretizada com as reformas urbanas do prefeito Pereira Passos, já no século XX.

Novos hábitos vão sendo adquiridos e dentre eles uma nova estética corporal começa a ganhar as ruas cariocas. Um novo modelo de homem passa a ser gerado com o avanço da modernidade sobre a cidade. Os médicos e arquitetos (“cientistas”) defendem valorização de um típico físico condicionado aos novos padrões de higiene e saúde. Os outrora corpos masculinos franzinos vão, paulatinamente, dando lugar aos tipos físicos mais fortes e musculosos, que se tornaram mais amplamente aceitos a partir do século XX.

Nesse contexto, a prática esportiva do remo adequava-se perfeitamente aos padrões de modernidade que se espraiavam pela cidade. O remo passa a ser visto como o esporte moderno, ligado ao urbano, prática de uma burguesia ascendente. Por outro lado, o turfe, que havia se organizado anteriormente e sido pioneiro na estruturação do campo esportivo (BOURDIEU, 1983, 1990) da cidade do Rio de Janeiro, guardava um ar mais aristocrático, relacionado ao rural. Outrossim, no remo o protagonismo cabia ao homem, que deveria com as próprias forças e músculos vencer o mar e seu oponente, enquanto no tufe os jóqueis franzinos eram coadjuvante em relação aos cavalos (MELO, 2001).

Os primeiros passos para a institucionalização deste esporte foram dados na cidade vizinha, Niterói, com os Mareantes (1851). No Rio de Janeiro, no ano de 1862 surgiram o grupo Regata e o British Rowing Club, por influência de imigrantes ingleses na cidade. Em 1867 é fundado o Club de Regatas, mas, o grande marco para o impulso do remo no Rio de Janeiro foi dado com a criação do Club Guanabarense, no ano de 1874 (MELO, 2001). Depois vieram Grupo de Botafogo (1878), o Club de Regatas Cajuense (1885), Club Náutico Saldanha da Gama (Niterói-1876) e Club de Regatas Internacional (1887).

Entre as décadas de 80 e 90 as regatas tornaram-se constantes, entretanto, as associações não possuíam o controle total da prática, permitindo-se que não-membros tornassem parte dos eventos. No intuito de estabelecer uma uniformização da prática, os clubes adotaram como justificativa a assaz necessidade de se combater as apostas, que se popularizaram pari passu ao crescimento do público que acompanhava as regatas.

Na última década do século, os clubes de remos vão se proliferando, constituindo o ambiente favorável para a criação da União de Regatas Fluminense (1897), instituição destinada a organizar o campeonato da cidade do Rio de Janeiro. Neste período surgiram o Union de Conotiers (Sociedade dos Franceses, 1892), Club de Regatas Fluminense (1892), Club de Regatas Paquetaense (1892), Club de Regatas Botafogo (1894), Club de Regatas do Flamengo (1895), Grupo de Regatas Praia Vermelha (1896), Club de Natação e Regatas (1896), Club de Regatas Boqueirão do Passeio (1897), Club de Regatas do Caju (1897), Club de Regatas Guanabara (1899) e o Club de Regatas de São Christovao (1899).

A “febre do remo” vai ganhando a cidade: “O Remo, começou então a ser conhecido e a descêr do seu retiro em Botafogo para a cidade […]começou a fallar-se num novo clube, no centro comercial” (FREITAS, José Lopes de, 1945, s.p.)

Às portas do limiar do século XX, impulsionados pelos ares da modernidade, pelo desejo de praticarem um esporte símbolo dos novos tempos, homens ligados à chamada classe caixeiral, que na sua maioria trabalhavam no comércio do centro da cidade, decidiram criar um novo clube para a prática do remo, eis que surge o Club de Regatas Vasco da Gama.

A Fundação do Vasco

Henrique Monteiro era o maioral dessa ideia e encontrou semelhante companheiros em Luiz Rodrigues Teixeira de Sousa, Avellar Rodrigues e Lopes de Freitas que traçaram logo o caminho a seguir avante e aos quaes se juntaram com o mesmo entusiasmo Leonel Borba, Carlos Rodrigues, João Campos, Francisco Alberto da Silva, Manoel Lixa, Frazão Salgueiro, Antonio Fernando Seixas […] que fizeram tão intensa propaganda, que em pouco tempo a ideia era vencêdora […] O desejo desses rapazes tornou-se realidade em pouco tempo.

A propaganda feita nos meios comerciaes deu excellentes resultados […]

Nos botequins, nos barbeiros e até no mercado do caffé, não se fallava n’outra coisa.

A fundação de um novo Club de Regatas, que se chamaria Vasco da Gama… (FREITAS, 1945, s.p.).

José Lopes de Freitas, popularmente conhecido como Zé (ou José) da Praia, um dos fundadores do Clube e, posteriormente, crônista do Jornal do Commercio, esclarece que o Vasco surge da confluência dos desejos de homens e jovens rapazes que trabalhavam no comércio do centro do Rio de Janeiro, como funcionários ou proprietários, para a formação de um clube no qual pudessem congregar os seus ideais.


Iconografia de José Lopes de Freitas
(Acervo pessoal: Henrique Hübner)

As comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para as Índias (1498-1898) influenciaram no nome da nova instituição náutica e nos seus símbolos, principalmente, o maior deles: a cruz de CRISTO. A cruz que os fundadores do Clube deram ao Vasco é a Cruz de Cristo, que estava presente nas naus portuguesas no período das Grandes Navegações. No Rio de Janeiro, as comemorações movimentaram as instituições luso-brasileiras, foram promovidos espetáculos, produção de selo e moedas comemorativas e a imprensa noticiou o acontecimento com eloquência. De acordo com Freitas (1945, s.p.):

O nome e symbolo, nasceu pode-se dizer d’um feliz acaso.

Por esse tempo tinha-se festejado pomposamente no Rio de janeiro o Quarto Centenário da descoberta do caminho marítimo das Índias por Vasco da Gama. E por toda a parte aparecia, nas festas, nos cortejos, nas revistas e jornaes ao lado do nome do grande navegante a Cruz de Chisto usadas nas Caravellas (a que nos acustumanos a chamar de Malta […] Dahi o nome e symbolo, aceito entusiasticamente por todos, podendo dizer-se que já tinha nome, antes de vir ao mundo!


Iconografia de Vasco da Gama
O Paiz, 20 de maio de 1898, p. 1.
(Acervo: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)


Propaganda de festival promovido em comemoração ao feito de Vasco da Gama
O Paiz, 20 de maio de 1898, p. 6
Acervo: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional


Cruz de Cristo – A Cruz da Fundação do Vasco

Concomitante aos anseios dos rapazes do centro, soube-se que pela região do bairro da Saúde um grupo chefiado pelos irmãos Couto – Francisco (que viria a ser o primeiro Presidente), Antonio, Adolpho, Alfredo e Jose -, e com a participação de João Amaral, Marciano Rosas e Dr. Henrique Lagden possuía o mesmo propósito, qual seja, o de fundar um clube de regatas. Eis que através do intermédio de Henrique Monteiro houve uma união dos interesses de todos, possibilitando a fundação de um único clube.

(Prainha e Saúde – Foto: Marc Ferrez, c. 1893 – Acervo: Instituto Moreira Salles)

Após algumas reuniões preliminares, em 21 de agosto de 1898, na Rua da Saúde n.º 293 (atual n.º 345 da rua Sacadura Cabral), é fundado o CLUB DE REGATAS VASCO DA GAMA! Nesta primeira reunião, elegeu-se a diretoria e Francisco Gonçalves Couto Junior foi eleito presidente. Todavia, o número total de sócios fundadores não estava presente. Foram 62 os sócios fundadores que estiveram reunidos na Assembleia Geral que fundou o clube, mas, como a própria Ata de Fundação nos diz, entre os próprios eleitos: “alguns d’elles achavam-se ausentes”.

A despeito da importância de homens como Henrique Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre d’Avelar Rodrigues, Manuel Teixeira de Souza Júnior e o próprio José Lopes de Freitas por incentivarem e aglutinarem um grupo de homens em prol da ideia da fundação do clube, é preciso ter em mente que o Vasco nasci através dos anseios de vários homens por uma instituição que congregasse brasileiros e portugueses. Talvez, muitos outros homens além desses citados por toda uma tradição literária vascaína tenham contribuído de igual monta para a fundação do Vasco, mas, por questões de escassez de fontes, historicamente, não sejam lembrados.

(Ata de Fundação do Club de Regatas Vasco da Gama – Atas da Assembleia Geral, 21 de agosto de 1898)

Sem perder muito tempo, os vascaínos iniciaram a vida administrativa do novo clube. Definiu-se uma sede provisória, alugaram para este fim um sobrado na antiga Rua da Saúde n.º 127 (atual n.º 167 da rua Sacadura Cabral), em frente Largo da Imperatriz. Enquanto isso, preparavam a sede definitiva, na Praia Formosa, localizada na Ilha das Moças, onde o clube se instalou em novembro de 1898. Em sua sede provisória, uma das iniciativas pioneiras do Vasco, tendo a frente José Lopes de Freitas, foi a montagem da primeira escola para a prática do remo na cidade do Rio de Janeiro. Os sócios vascaínos tinham aulas noturnas e muitos deles davam os passos iniciais no sport.

Foi ali também que se organizou a primeira Escola de Remo dirigida pelos dois Freitas, o José Lopes e o João Cândido. Tôdas as noites das sete as dez (dezenove e vinte e duas) davam eles aulas práticas no “VAGAROSO”, bote alugado e armado a quatro remos com palamenta, e, na “IARA” cedido por João Amaral, barquito de quatro metros de comprimento, armado com quatro remos de voga com pretensões a baleeira.” (FREITAS apud ROCHA, 1975, p. 17).

Essa iniciativa do Vasco, de certa forma, permitia o acesso das camadas populares à prática do remo, haja vista que muitos de seus associados eram funcionários do comércio do centro do Rio. Através do controle da União de Regatas Fluminense, o acesso à prática das regatas passou a ser restrito aos clubes, muitos dos quais possuíam estatutos restritivos ao acesso das camadas populares. As elites, no intuito de constituir a prática do remo como símbolo de status e distinção social, buscavam se destacar e criar espaços específicos e privilegiados para acompanhar as competições de remo. Assim, eram montadas arquibancadas com espaços destinados à “fina flor carioca”, deixada separada do povo que fazia esse sport crescer. Nesse contexto, foi fundado o Pavilhão de Regatas (1904), na Praia de Botafogo. A obra, bastante famosa à época, foi financiada pela Prefeitura do Rio e fez parte das reformas urbanas empreendidas por Pereira Passos.

As camadas populares se faziam representar entre competidores não filiados ou, principalmente, entre o crescente público que acompanhava as regatas. Além disso, estavam entre os apostadores combatidos pela União. Dessa forma, ao abrir-se para os funcionários do comércio, muitos deles oriundos das camadas mais desprivilegiadas da sociedade carioca, o Vasco escapava da tendência elitista do remo. Essa aproximação do Clube com tais agentes sociais se tornaria ainda mais forte com o advento do futebol na instituição. O grande diferencial do Vasco é o fato de, por vezes, suas ações ultrapassarem o modus operandi da prática esportiva em si e alcançarem as esferas sociais. A história do clube, em diferentes períodos, veio a se entrelaçar com a própria história do país e dialogar com algumas reivindicações das camadas menos favorecidas da sociedade.

No dia 28 de agosto de 1898, reunidos na sede do Club Recreativo Estudantina Arcas Comercial, foi empossada a primeira diretoria e eleita a comissão para elaboração do primeiro estatuto. O primeiro uniforme foi aprovado em reunião de diretoria no dia 06 de setembro de 1898. Todavia, com a aprovação do estatuto em Assembleia Geral de 10 de setembro de 1898, baseando-nos na documentação enviada para União de Regatas Fluminense em 03 de novembro do mesmo ano, houve alteração na camisa e esta ficou definida com a Cruz sobre o peito, não mais metade sobre o preto e metade sobre o branco. Posteriormente, haveria uma nova mudança, no contexto das reformas pós-cisão de 1899, e o uniforme ganharia os contornos mais próximos do atual, com a faixa “a tiracolo”. Para melhores informações, ver as matérias sobre o primeiro uniforme do clube (https://gigantedacolina.com.br/site/noticia/detalhe/11412/o-primeiro-uniforme-do-vasco-da-gama) e os 116 anos da criação do principal uniforme do Vasco (https://gigantedacolina.com.br/site/noticia/detalhe/11061/os-116-anos-da-criacao-do-principal-uniforme-do-vasco).

Os primeiros barcos vascaínos foram a Zoca (canoa a quatro remos de voga), a Vaidosa (baleeira a quatro remo de voga) e a Volúvel (baleeira a seis remos de voga). A empolgação dos vascaínos fundadores com o início das atividades náuticas do Clube é assim descrita por Freitas (1945, s.p.):

E como já havia um grupo de remadores, não perfeitos ainda, mas cheios de bôa vontade, foram-se organizando conjuntos, para as tripular.

E pela Guanabara, começaram a apparecer, reunidas do fundo da Bahia remadas, umas certas e outras … “pêanada” (guarnição que remava desacertada) novas embarcações, novos uniformes, novas flamulas!
Era o Vasco, o Vasco que ahi está hoje!


(Provável imagem dos três primeiros barcos do clube – Zoca, Vaidosa e Volúvel – sendo manuseados pelos vascaínos na Praia do Boqueirão do Passeio, próximo à Praia de Santa Luzia, no ano de 1898 [?] )

Necessitando organizar-se melhor após o seu nascedouro, o Vasco começou a competir no ano seguinte, em 1899. Como demonstração de sua força, logo em seu ano de estreia veio a primeira vitória em provas, com a Volúvel, no primeiro páreo e ainda um segundo lugar com a Victória (recém-incorporada), uma baleeira a quatro remos. Embora a prova não valesse para o campeonato, chamou a atenção de todos os feitos dos vascaínos:

O Vasco inscreveu-se em canoas a 4 com Zoca (que não correu), em baleeiras 4 com a Victoria e a Vaidosa e em baleeiras a seis com a Voluvel, sendo premiados os seus esforços, com a victoria da Voluvel em 1º lugar e aVictoria em 2º lugar, o que na epocha foi considerado um grande feito, não só competindo com gente já bem treinada e conhecedora dos segredos do remo.

E ainda porque alguns clubes competidores, por la andavam a mais tempo sem serem trapejados pela Victoria (FREITAS, 1945, s.p.).

Os anos se passaram e as conquistas do Vasco foram se acumulando. Em 1904, vieram os dois primeiros troféus, a Prova Clássica Sul-América e a Prova Clássica Jardim Botânico. O clube tornou-se bicampeão de remo da cidade em 1905 e 1906, demonstrando a sua grandeza e realizando um feito que outros clubes mais antigos não haviam conseguido.

Um grandioso tricampeonato em 1912, 1913 e 1914 veio consolidar o Vasco como o maior clube náutico do Rio de Janeiro e um gigante do remo no Brasil. Nessa época, a ginástica e o tiro já eram praticados pelos sócios vascaínos. Outrossim, acompanhando uma tendência que se espalhava pela cidade, crescia cada vez mais a influência do futebol entre o quadro associativo vascaíno e muitos sócios começavam a solicitar inserção desta prática no clube, fato que viria a ser consumado a partir de 26 de novembro de 1915.

(Imagem da guarnição do barco Meteoro, que levou o Vasco à conquistar o campeonato de 1912)

As vitórias no esporte náutico seguiram correntes constantes, várias guarnições e barcos vascaínos tornaram-se famosos. Contudo, nenhum deles teve tanto prestígio quanto a Yole a 2 “Íbis”, cuja guarnição principal era formada por Joaquim Carneiro Dias e Claudionor Provenzano. A Íbis tornou-se uma lenda no remo do Rio de Janeiro do início do século XX. O barco de fina fabricação italiana, construído nos estaleiros da Galinari & Co, de Livorno/ITA, ganhou a alcunha de “O Barco Invencível”. Sua estreia ocorreu em julho de 1912 e reinou absoluta com dezenove vitórias consecutivas, um grande feito para época. No decorrer do referido tricampeonato do clube, a Íbis conseguiu ter um status superioraos próprios barcos que venceram as provas que valeram os títulos. O lendário barco vascaíno só viria sofrer sua primeira derrota cinco anos depois de sua estreia.

(Imagem da Íbis, constituída pelos remadores Joaquim Carneiro Dias e Claudionor Provenzano, 1913 [?])

Na contemporaneidade, o clube tem orgulho de ostentar seu pavilhão centenário pelas águas cariocas. A instituição possui duas sedes náuticas que são permanentemente utilizadas como base para a preparação de barcos e atletas. São elas a Sede Náutica do Calabouço e a Sede Náutica da Lagoa. (Ver: https://gigantedacolina.com.br/site/conteudo/detalhe/3).


(Imagem da Sede Náutica da Lagoa, sem data)

(Imagem da Sede Náutica do Calabouço, sem data)

Dentre os títulos e conquistas de regatas, podemos citar:

– 46 títulos cariocas de remo (masculino), sendo o único a conquistar 16 vezes seguidas o título (1944-1959):

1905, 1906, 1912, 1913, 1914, 1919, 1921, 1924, 1927, 1928, 1929, 1930, 1931, 1932, 1934, 1935, 1936, 1937, 1938, 1939, 1944, 1945, 1946, 1947, 1948, 1949, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1961, 1970, 1982, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2005 e 2008

– 09 Campeonato Brasileiro Masculino (1987, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2007, 2008 e 2009)

– 02 Campeonato Brasileiro Feminino (2005 e 2007)

– 08 Troféu Brasil de Remo (1987, 1998, 2000, 2001,2002, 2007, 2008 e 2009)

– 03 Troféu Brasil Unificado: (2007, 2008, 2009).

(Imagem da torcida do Vasco comemorando, provavelmente, a conquista do Campeonato Carioca de 1982)

Glória eterna ao Gigante vascaíno, que nasceu no mar e fez-se grandioso na terra com a luta de todos.

VASCO!!

 

 

Texto: Walmer Peres Santana (Historiador do Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama)

Equipe:

Denis Antonio Carrega Dias (Vice-Presidente do Departamento de Relações Especializadas)

Henrique Hübner (Diretor)

Raphael Milenas (Diretor)

Walmer Peres Santana (Historiador)

Corpus Documental

A) Fontes do Clube

I) Atas

Atas da Diretoria, 06 de setembro de 1898. Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama.

Atas Assembleia Geral, 21 de agosto de 1898. Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama.

II) Documentos

Documentos da primeira Filiação, 03 de novembro de 1898. Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama.